segunda-feira, 30 de novembro de 2009

O crime ambiental nos tribunais internacionais

O argentino Adolfo Pérez Esquivel tem percorrido o mundo com um projeto para combater os crimes ambientais que parece uma antevisão de um futuro cada vez mais próximo. Sua proposta é que responsáveis por danos graves ao meio ambiente, como empresas e dirigentes políticos, sejam julgados pelo Tribunal Internacional de Haia.

Esquivel toca em algo que conhece bem: a impunidade que o poder confere ao crime. O argentino foi o ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 1980 por sua luta pelos direitos humanos. Suas ações humanitárias tiveram como centro a realidade política de uma América Latina tomada pelo autoritarismo, com a Argentina vivendo sob uma das mais ferozes ditaduras do continente.

Em seu ponto substancial, a proposta do Prêmio Nobel traz a concepção de que hoje os direitos humanos incluem os direitos econômicos, sociais e ambientais. Mas isso evidentemente não é novidade.

O que Esquivel traz de novo é o desenvolvimento prático, propondo que aconteça fora das fronteiras nacionais o julgamento e punição de delitos que comprovadamente causam efeitos negativos muito além do território onde são cometidos.

É um raciocínio parecido com o que levou o mundo a dar uma atenção universal aos direitos humanos, o que levou à democratização em vários países no final do século passado, entre eles a Argentina de Esquivel e também o nosso Brasil.

Nesta visão, criminosos políticos que hoje são julgados em tribunais internacionais não seriam muito diferentes dos que praticam crimes ambientais. Na essência, a contaminação da água, por exemplo, se nivelaria à tortura e ao terrorismo.

Sua campanha ainda está no início, como ele mesmo diz, mas a proposta não é somente retórica. Ele conta com a ajuda de juristas internacionais e tem viajado pelo mundo debatendo esta mudança da legislação internacional. Na última semana ele esteve em São Paulo.

Um plano como esse parece inviável, mas não é improvável que o agravamento dos problemas ambientais leve forçosamente ao estabelecimento de um tratamento jurídico internacional para o crime ambiental.

O que parece impossível no momento, levando em conta especialmente que tal idéia teria que contar com o apoio da China e dos Estados Unidos, dois conhecidos vilões no tema, pode muito bem tornar-se realidade com o agravamento dos impactos no ambiente global.

Uma questão levantada pela proposta de Esquivel é a dificuldade interna de vários países em combater e penalizar o crime ambiental. Em entrevista à revista Veja ele usou como exemplo a impunidade da Alumbrera, empresa que extrai milhões de litros de água por hora em uma zona quase desértica da Argentina, causando também vazamentos tóxicos e com denúncias de contaminação por chuva ácida.

De fato, em vários países o crime ambiental dificilmente sofre punição. Em muitos deles — e nisso o Brasil não é exceção — até ocorre o contrário. A anistia a crimes e o abrandamento da legislação ambiental, forçados por lobbies poderosos, no final prejudica apenas os que cumprem as regras.

Na prática é uma forma de punição ao cumpridor de leis e de generosidade com o criminoso, o que leva a uma situação propícia ao uso desmedido dos recursos naturais e a destruição da natureza.

Em nosso país esta desordem legal é extremamente perigosa, principalmente por afetar a Amazônia, região historicamente visada pela cobiça internacional e hoje com especial importância na ecologia planetária.

Esquivel foi ao ponto certo. Como causadores de efeitos globais, crimes ambientais não podem ter um tratamento apenas local. Mesmo porque, numa tendência crescente, os grandes poluidores deslocam-se sempre para países em condições políticas e jurídicas mais frágeis. A proposta da criação de um tribunal internacional para crimes ambientais surge também em um ponto ainda anterior às previstas condições ambientais mais graves ou até de alguma catástrofe mundial. Numa situação ainda de relativo equilíbrio, sua implantação poderia não só evitar o pior no futuro como ainda permitiria a opção por instrumentos mais democráticos.

Mais pra frente o remédio exigido pode ser mais amargo. As leis, como se sabe, têm sempre uma relação direta com a gravidade do tempo em que elas são feitas.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Empurrando o clima com a barriga

Os líderes mundiais estão se superando na questão do meio ambiente. Se antes havia compromissos para não serem cumpridos, como foi com o Protocolo de Kyoto, agora sequer assumem obrigações, já que acordos são adiados de véspera. Foi o que aconteceu com a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, marcada para dezembro em Copenhague.

O esperado tratado internacional de redução das emissões dos chamados gases estufa não sairá mais. Por decisão do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, além da China e outros líderes globais, o acordo para o clima foi adiado.

Da reunião de Copenhague sairá uma mera declaração de intenções “politicamente vinculante”, sem o pretendido caráter obrigatório. Um acordo efetivo fica para depois, talvez na Conferência do Clima que será realizada no México em dezembro do próximo ano.

É claro que a expressão “politicamente vinculante”, criada para abafar o fracasso da reunião que ainda nem ocorreu, não vai além da retórica. Em termos práticos a reunião de Copenhague perdeu o sentido, se é que teve algum para as autoridades mundiais.

As dificuldades para chegar a Copenhague com a possibilidade de alcançar um acordo para o clima já eram sentidas há meses. Para emissões menores dos chamados gases estufas é preciso mudar o modelo econômico dominante. Acontece que alguns países altamente poluidores, como a China, começaram a gozar este crescimento recentemente e tomaram gosto pela coisa. Dificilmente vão mudar algo sem que se vejam forçados a isso.

Outros países, como os Estados Unidos, estão há décadas na linha de frente do abalo do clima terrestre. São os promotores mais ativos do modelo que está levando o mundo à breca.

Não é só coincidência que a notícia da transformação do encontro em Copenhague em um mero passeio tenha vindo na mesma semana em que o presidente Barack Obama se encontrou com o presidente chinês Hu Jintao.

Obama é um político que aparenta ter consciência da urgência do problema do clima, mas sofre cerrada barreira interna dos republicanos e também de parlamentares conservadores de seu próprio partido. Num país onde até a extensão do seguro saúde para a população mais pobre é de difícil convencimento da classe política não deve ser mesmo fácil se entender quanto ao aquecimento global.

46 milhões de norte-americanos não têm seguro saúde e por causa disso morrem por ano 45 mil pessoas por falta de bons cuidados médicos.

Sendo difícil entrar em acordo num tema desses, imaginem então complicação que a defesa do clima pode ser para a classe dirigente de uma potência que se fortalece em boa parte com a exploração sem limites dos recursos do planeta.

O país de Obama tem 4% da população mundial, sendo responsável por mais de 20% de todas as emissões globais de gases do efeito estufa.

Já a China é responsável por 15% e não demonstra intenção alguma de parar por aí. Até porque sua capacidade de crescimento só recebe incentivos e aplausos dos outros países. A dificuldade de sustentação deste progresso insano não conta. Os chineses poluem e esgotam seus recursos naturais. Algumas regiões já sofrem com a falta d’água, a destruição do solo e a ruína ecológica de imensas porções de seu território. Mas o que conta para a maioria dos países, incluindo o Brasil, é tirar um naco de aproveitamento do crescimento chinês.

A história chinesa também é marcada pela obstinação na implantação de modelos de desenvolvimento cujo número de vítimas mortais alcança sempre a casa dos milhões. Na estúpida campanha liderada por Mao Tse-Tung (1893-1976) chamada “Grande Salto Adiante”, que pretendia industrializar a China de forma rápida, morreram cerca de 20 milhões de pessoas, vitimadas em grande parte pela fome. Os números fatais são sempre grandiosos e a marcha interrompe-se apenas depois de tragédias humanas colossais.

Não é razoável acreditar que um país com tal histórico escolha a opção do necessário desenvolvimento equilibrado sem que haja antes um número fenomenal de vítimas dando o aviso de pare que o sistema comunista demora a perceber.

O lado capitalista também tem uma má-vontade semelhante. Mesmo que haja maior liberdade de opinião, permitindo a discussão dos temas ambientais e até claras divergências, a verdade é os Estados Unidos estão longe de aceitar um refreamento do egoísmo e da ganância que levaram o mundo a esta situação grave.

Os dois maiores poluidores lideraram os demais países para adiar em pelo menos um ano um acordo que já viria tarde neste mês de dezembro em Copenhague. Isso não só é empurrar para frente uma situação já bem grave, como também abre-se um campo para que até lá ele o problema esteja bem mais difícil de resolver.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Desmonte da legislação e farra de licenças ambientais

Um processo movido pelo Ministério Público Federal e o Ministério Público de Rondônia contra o presidente do Ibama, Roberto Messias Franco, traz para o debate do meio ambiente a suspeita rapidez das licenças ambientais e o desmonte da nossa legislação ambiental.

O presidente do Ibama responde a processo por improbidade administrativa acusado de conceder a licença de instalação do canteiro de obras e para todo o empreendimento da Usina de Jirau, no Rio Madeira, em Rondônia, sem respeitar a Lei de Licitações nem a Constituição. Com ele, também é processado o diretor de Licenciamento do Ibama, Sebastião Custódio.

A ação do MP está muito bem fundamentada. Na apressada licença foi descoberta até uma estranha negligência com a segurança da barragem. Não há previsão de gestão das toras e detritos. Acontece que o rio Madeira ganhou este nome exatamente pela grande quantidade de madeira que desce por seu curso.

Franco tem a fama de “destravador” de licenças ambientais, a mesma reputação que levou seu superior, Carlos Minc, ao cargo de ministro do Meio Ambiente. A significação diferenciada é novidade política implantada no governo Lula.

É uma definição que não deixa de atentar contra a ética, pois desqualifica imediatamente o agente público cumpridor das leis. Ao respeitar o caminho reto da legislação, todo funcionário corre o risco de ser acusado de ser um estorvo ao desenvolvimento.

Parece um plano seguido à risca. Primeiro a desqualificação das leis, como sendo severas em excesso ou até restritivas à boa gestão pública. Depois sua reforma ou eliminação.

Para este fim, a farra de licenças também é muito útil, colocando o Ibama fora de seu papel como órgão de fiscalização, acompanhamento e controle.

É claro que o problema não atinge apenas o meio ambiente. Porém, foi neste setor que a desmobilização de órgãos de controle a os ataques à legislação prosperou como em nenhum outro lugar.

A desqualificação das leis brasileiras atinge o conjunto da gestão pública, usando como um dos focos de críticas o Tribunal de Contas da União (TCU). O alvo não é nada casual. Atinge-se dessa forma uma instituição de forte peso simbólico para a transparência e a fiscalização do Estado. Mas a cunha que abriu espaço para este discurso foi sem dúvida implantada de início na política para o meio ambiente.

A confluência de interesses juntou com facilidade a ala governista e a oposição para o ataque e o desmonte da legislação ambiental. Tucanos e demos estão sempre com sua bancada ruralista e políticos ligados a empreiteiras a postos para ajudar no serviço proposto pelo governo.

Isso cria uma sincronia que uniformiza de forma natural até o discurso. Quando o país não anda é em razão da legislação. Mesmo quando os fatos comprovam que muitas obras são interrompidas ou sofrem críticas em conseqüência da incapacidade da máquina pública e do esvaziamento dos organismos oficiais do meio Ambiente.

A desqualificação chega a ser jocosa. O presidente Lula já apelou para a inacreditável perereca inimiga do progresso e até para a memória de Juscelino Kubitscheck que, segundo ele, seria impedido pela legislação ambiental até de descer de avião no centro do país para fundar Brasília.

É um discurso para matar a idéia de que pode existir um progresso em combinação com o respeito ambiental.

E os ataques verbais são acompanhados de medidas práticas. A lei que nasceu da MP da Grilagem é um bom exemplo. Com ela, foram anistiados na prática grileiros que fizeram até o uso da força para se apossar de imensas porções de terras públicas. Com isso, foram desmerecidas leis que até hoje regem a questão.

Também neste contexto, temos a impressionante orquestração política para a reforma do Código Florestal Brasileiro. É outro tema que junta governistas e oposição, como prova de que a única esperança contra a depauperação ambiental do país é atuação da sociedade civil.

No caso do Código, seu enfraquecimento viria apenas oficializar o descumprimento de décadas. Mas, a exemplo da farra de licenças, seria outra cunha habilmente cravada para alargamentos futuros em leis já estropiadas.

A pressão vem todos os lados. O Legislativo faz sua parte e ministros do governo insuflam pecuaristas, agricultores e setores do empresariado. E a máquina do governo também age internamente.

Uma auditoria interna recente feita pelo TCU no Ibama colheu depoimentos sobre pressões políticas para a concessão de licenças. A fonte da pressão é o PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento, do governo Lula.

Segundo o documento, que é de setembro deste ano, a intensa pressão acaba gerando a manipulação dos próprios procedimentos legais, criando um quadro em que o órgão deixa de atuar em relação aos danos ao meio ambiente.

Para o TCU, o Ibama está focado no processo de concessão de licenças ambientais e não possui capacidade de avaliação sistemática sobre os benefícios da liberação das obras e muito menos sobre seus impactos. Um diagnóstico revelador da auditoria é que ao governo interessa ter o órgão como um mero organismo cartorial expedidor de licenças.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

O transporte público em eterna crise

O transporte público em Curitiba está sofrendo uma grave crise, problema que devido ao perfil histórico da cidade paranaense como metrópole modernizadora adquire uma alta simbologia do nível de abandono que o setor enfrenta em todo o Brasil.

Curitiba foi a primeira cidade brasileira a encontrar soluções criativas para melhorar as condições urbanas, com resultados excelentes no transporte público. Ali foram implantadas idéias como linhas exclusivas para ônibus e terminais onde o passageiro pode seguir para itinerários diferentes sem ter que pagar uma segunda passagem.

Em conjunto com estas facilidades práticas, procurou-se também dar qualidade e beleza a toda aparelhagem do setor, com veículos de qualidade e sempre muito bem cuidados e a construção de terminais e pontos de ônibus de alto nível arquitetônico.

Com suas estações urbanas de vidro de formas arredondadas e outras criações geniais, Curitiba teve a sacada de, junto com as vantagens práticas no transporte de passageiros, manter uma embalagem sofisticada conferindo status social ao ônibus e com isso estimular o cidadão a deixar o carro em casa.

Além do peso local na qualidade de vida, essas realizações feitas na década de 70 trouxeram a todo o país o fortalecimento de conceitos bem inovadores na época, vindo inclusive na contramão do pensamento dominante no país que era o de privilegiar o uso do carro individual.

Pelos dados revelados nestes dias pela prefeitura curitibana, hoje este cenário se encaminha para a falência. De janeiro a setembro o Sistema de Transporte Coletivo de Curitiba teve a queda de mais de 12 milhões de passagens, gerando um déficit de R$ 9,2 milhões. Em número de passageiros, a perda em média é de 1,3 milhão por mês em relação à previsão inicial para este ano.

Há muitas razões para o problema. Autoridades locais alegam até o temor do contágio pela gripe A como causa da fuga de passageiros, o que é buscar uma justificativa exagerada para uma questão que tem como base algo que também não deixa de ser doentio: o estímulo ao carro individual e a total falta de políticas públicas sérias em relação ao transporte público. Este é um setor totalmente abandonado pelos municípios, pelos estados e pelo Governo Federal.

Ao contrário, no plano federal o que existe é o estímulo às montadoras de automóveis — até com a oferta de dinheiro público fácil e direto como foi feito recentemente — e a exaltação da compra do carro individual como fator especial de desenvolvimento econômico e social, um discurso que desmotiva qualquer atenção política ao transporte público.

Esta falta de políticas públicas afeta o bolso e a saúde, já que o setor engloba problemas urbanos variados e sempre de peso negativo nas contas públicas, muitas vezes como causa direta.

Com a precariedade do transporte público prevalece o uso do transporte individual, com o aumento da poluição, dos transtornos de congestionamentos e ocupação dos espaços pelos carros e também no aumento dos terríveis índices de mortos e feridos no trânsito — muitos que depois terão de forma crônica uma vida muito difícil.

Há muito outros danos, o ecológico como um dos mais graves e com impacto direto na saúde humana. Porém, nem o peso imenso dos custos colaterais convence o país sobre necessidade de deixar de centrar no preço individual da passagem uma questão que, no fundo, tem um peso econômico e social bem mais amplo.

Outro problema criado com este descaso foi de colocar o setor nas mãos erradas. Em todo o país o setor do transporte público atende apenas ao interesse de empresários sem nenhum compromisso que não seja o lucro particular. Com eles, a melhoria do meio ambiente urbano e a qualidade de vida do cidadão não é um valor administrativo.

Este bem público de tamanha necessidade muitas vezes é dominado por empresas que seguem métodos de quadrilhas de criminosos. Em vez de trazer benefícios para as nossas cidades, o setor é responsável em grande parte no aumento da corrupção e a ascensão de políticos municipais de péssima qualidade, sempre com a intenção de manter o sistema como um meio de lucro fácil.

Não devemos esquecer que o presidente Lula perdeu um amigo e colega de partido que deveria ser o coordenador de sua primeira campanha vitoriosa em 2002 — o então prefeito de Santo André, Celso Daniel — caso não fosse assassinado em um inexplicado crime que envolve corrupção com empresas de ônibus.

Para minorar o problema financeiro em Curitiba e nas demais cidades brasileiras, o país está à espera que o Congresso Nacional vote um projeto de lei com isenções de impostos federais. Mas o fato é que enquanto a questão do transporte público for vista apenas como um problema de caixa, esta é uma crise que jamais terá fim.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

O meio ambiente como uma herança contra o futuro

Restando pouco mais de um ano para a finalização dos dois mandatos de Lula, já está muito bem definida a política ambiental de seu governo. Em política fala-se bastante em legado de governo anteriores, pois no meio ambiente é ainda mais apropriado o uso do termo, já que a ecologia é sempre o resultado futuro do que está sendo feito agora.

Na avaliação futura dos governos atuais o legado ambiental será de muita importância. E neste caso a situação de Lula é bem pior que a dos governos que ele acusa com frequência de terem deixado situações difíceis de serem administradas.

E já que qualquer medida que surgir até o final de 2010 deverá ficar para o próximo presidente da República colocar em prática, seu legado já está praticamente realizado. O que fica é a ecologia como um incômodo ao desenvolvimento. Esta falsa premissa tem sido expressada pelo próprio presidente Lula — e não poucas vezes. Serviu para atropelar leis e o bom senso. E até para se eximir de atrasos causados por incapacidade administrativa.

Dessa forma, o governo buscou fixar na opinião pública a imagem do respeito ao meio ambiente como um estorvo à conclusão de obras que trazem a qualidade de vida que todos querem.

Com não poderia deixar de ser, esta triste tática contamina o Congresso Nacional, fortalecendo as bancadas sem nenhum compromisso com a exploração equilibrada dos recursos naturais. Até porque, além de verbal, o estímulo é também material, ajudando nas maquinações contrárias ao meio ambiente.

Um gesto forte neste sentido, com alto peso simbólico e prático, foi a assinatura da MP 458, a chamada “MP da Grilagem”, uma privatização de terras públicas sem precedentes em nossa história, entregando propriedades inclusive ocupadas de forma criminosa.

A MP já nasceu torta no Palácio do Planalto para ser piorada com emendas parlamentares no Congresso Nacional. Desta associação nasceu o que a senadora Marina Silva chamou de “a pior iniciativa do governo Lula até hoje”. E ela tem conhecimento de causa, já que deve ter visto muita coisa nos bastidores do governo a que serviu como ministra na pasta do Meio Ambiente.

Agora como lei, a “MP da Grilagem” está sendo executada na Amazônia. Suas conseqüências não são pra já. Deverão vir com um pouco mais de prazo, mas num tempo sempre menor, pois o relógio dos impactos ambientais corre cada vez mais rápido.

Da parceria do Governo com o Congresso poderia nascer um país com liderança internacional no meio ambiente. Pois acontece o contrário.

À exemplo da “MP da Grilagem”, na área as iniciativas do Governo se juntam ao que temos de pior no Legislativo. E com isso, além das outras marcas ambientais negativas, Lula pode ter a fama histórica do presidente que ajudou a mexer no Código Florestal Brasileiro, com uma reforma que se encaminha para piorar o que temos.

Nesta semana, foi criada a Comissão Especial do Código Florestal Brasileiro na Câmara. Os ruralistas mandam na comissão, um poder obtido graças ao apoio do PT e do governo Lula.

É possível prever o que vem por aí pela fala de um dos ruralistas que o governo levou à comissão, o deputado Luis Carlos Heinze, do PP gaúcho, partido da base de Lula. "Os americanos, os europeus não preservaram. E agora os trouxas do Brasil precisam?", ele disse, numa pergunta que traz em si muito mais que uma afirmação. É um eco claro das falas do presidente Lula para se eximir das responsabilidades ambientais brasileiras.

É notável a semelhança com o notório argumento de político flagrado em corrupção, quando se usa a justificativa de que os colegas praticam as mesmas ilegalidades. Só que neste caso o perigo é maior. Caso não se tome medidas ambientais urgentes no plano internacional todos pagarão bem caro. Inclusive “os trouxas” de que fala o deputado.

Não é à toa que Marina Silva fez questão de fixar na questão ambiental as razões do seu pedido de demissão. É óbvio que a corrupção ocorrida é condenável, mas a ex-ministra faz a coisa certa em apontar o como alvo o meio ambiente.

É que quando começarem a aparecer as conseqüências da política oficial para esta área, fatos como o mensalão e tantas outras ilegalidades serão ficha pequena. A mais grave herança maldita do governo Lula é a ambiental.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Uma corrente de respeito ao meio ambiente

Desde que foi fundado, há quase dois anos, o Movimento Água da Nossa Gente envia pontualmente toda semana uma mensagem para milhares de destinatários, onde tratamos de questões do meio ambiente, buscando mostrar as implicações dos graves problemas atuais na vida de todos nós. Sempre procuramos apresentar bastante informação para que, além de conhecer nossa concepção, o leitor receba também elementos informativos para a formação de sua própria opinião.

O Movimento faz aniversário no próximo mês. E neste tempo todo, semana a semana remetemos este texto, na forma de uma conversa fraterna sobre o mundo que nos cerca e seus impactos ambientais. Escolhemos também fazer um texto diferente do formato usual da Internet, que costuma conter apenas informações básicas e muitas vezes factuais sobre as atividades da organização responsável pela mensagem.

Nós optamos por expor conceitos em defesa do meio ambiente, fazendo uma ligação com a numerosa informação científica e política disponível hoje sobre o assunto. Resolvemos acreditar na força difusora da Internet e hoje vemos que este foi um rumo acertado.

Além de ser publicado em nosso blog na internet, temos os destinatários do nosso e-mail, que transformam nossas mensagens de forma criativa e inteligente. Nossos textos recebem dos leitores os tratamentos mais diferenciados, atingindo uma qualidade que leva sempre além o que apontamos com sinceridade aqui. Como acontece com os correios eletrônicos, o reenvio é constante. Nossa mensagem é repassada entre pessoas de todo o mundo e também acaba chegando aos meios profissionais com interesse direto em meio ambiente.

De forma que assuntos que interessam a determinadas categorias profissionais ou grupos sociais acabam tendo uma multiplicação bem grande com o reenvio e a disponibilização em sites de sindicatos, entidades representativas e em blogs pessoais ou corporativos dos mais variados estilos.

Nosso trabalho se espalha de forma tão numerosa por toda a WEB que até já localizamos textos nossos em sites e blogs tendo como identificação da fonte o site onde na verdade aconteceu a republicação do que fizemos. E nem vale a pena reclamar a falta de crédito, já que o que interessa acima de tudo é a consciência sobre o meio ambiente.

Da internet, o material do Movimento Água da Nossa Gente vai para trabalhos escolares, os textos são usados em salas de aula, foram lidos em reuniões religiosas, dão conteúdo para ajudar em teses universitárias e até servem de assunto para debates em família, um dos usos que mais nos causou emoção.

Há três semanas tivemos outra excelente repercussão, ainda mais gratificante porque foi igualmente resultado desta corrente humana na internet da qual somos um elo. Fomos procurados para dar uma entrevista ao Boletim do Inca, o Instituto Nacional do Câncer, sobre os danos do tabagismo ao meio ambiente.

O INCA teve conhecimento da existência do Movimento Água da Nossa Gente exatamente por uma mensagem nossa sobre o assunto. A indústria do tabaco é um dos exemplos mais significativos de uma política destrutiva dos recursos naturais, que começa no plantio da matéria-prima ─ uma agricultura que destrói o solo, a água e a saúde do plantador ─ e segue embalada até o produto final que empesteia o ar e os pulmões, matando, aleijando e danificando a saúde humana de forma irreversível, e ainda vai além, no impacto ambiental do cigarro depois de fumado.

A nossa abordagem do tabagismo do ponto de vista ambiental chegou ao INCA por uma mensagem eletrônica reenviada a eles. Dessa forma, tivemos aberto mais este canal tão respeitável, com a nossa opinião publicada em seu site e enviada por meio de seu boletim eletrônico. A história do Instituto Nacional do Câncer começa na década de 30, com a construção do que na atualidade é um dos organismos de saúde pública mais importantes do mundo. Receber a atenção de uma instituição de tamanha credibilidade só nos traz orgulho e satisfação. E a sensação de que estamos trabalhando corretamente.


A entrevista ao INCA pode ser lida aqui

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Passando dos limites até dos ecoxiitas

Não é de hoje que se busca criar no debate sobre o meio ambiente uma oposição entre desenvolvimento e o respeito ecológico, como se a preservação ou conservação da natureza fosse o oposto de uma agropecuária produtiva ou uma trava ao desenvolvimento de qualquer espécie.

Com as informações atuais sobre o aquecimento global ou os números cada vez mais alarmantes sobre os efeitos da ação humana sobre os recursos naturais do planeta, este discurso tem cada vez menos efeito, mas já houve um tempo em que referências à defesa do meio ambiente eram recebidas como coisa de “ecoxiita”.

Na década de 80, a revista Veja chegou a publicar uma capa em que tratava como loucos fundamentalistas os defensores da ecologia, numa reportagem que, entre outras coisas, negava o aquecimento global.

Os próprios fatos vieram desmentir estas bobagens que atrasaram de forma substancial ações que podiam ter evitado vários problemas que enfrentamos atualmente. E o tempo mostrou ironicamente que os dois lados estavam enganados.

Os detratores dos ecologistas erraram feio. Os desastres ecológicos que ironizavam tornaram-se fatos de uma dimensão que nem os ditos “ecoxiitas” conseguiram antecipar, pois dados atuais provam que os problemas já estão de um tamanho além do que se esperava.

Nesta semana um grupo de cientistas publicou um estudo na revista Nature, respeitada publicação científica do Reino Unido, em que elencam situações definidas como limites para se evitar grandes catástrofes ambientais e climáticas. Três dessas fronteiras limites já foram ultrapassadas.

Os elementos fundamentais são: acidificação dos oceanos; interferência nos ciclos globais de nitrogênio e de fósforo; uso de água potável, alterações no uso do solo; carga de aerossóis atmosféricos; poluição química; e a taxa de perda da biodiversidade, tanto terrestre como marinha.

Já ficaram para trás limites como a concentração de poluentes na atmosfera — que seria de 350 partes por milhão (PPM) e que já está em 387 —, os ciclos de nitrogênio e fósforo, a acidificação dos oceanos. Segundo o relatório estão próximos os limites no uso da terra e também da água. E a biodiversidade também já está na área de risco.

A extrapolação de previsões científicas quanto aos efeitos impactantes da ação do ser humano sobre o meio ambiente infelizmente não tem sido novidade ultimamente. Neste mesmo espaço já citamos estudos atualizados que afirmam que a velocidade do aquecimento global, entre outras questões, é bem maior do que se pensava.

Já uma informação divulgada esta semana traz os limites para o terreno brasileiro, além de denunciar o perigo dos impactos ambientais para a agricultura e a pecuária. Em um evento da Emater, em Londrina, Paraná, a médica veterinária Lídia Cristina Almeida Picinin, professora da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), alertou que a poluição das águas nas propriedades rurais pode colocar em risco a nossa produção de leite, atividade que necessita de água de boa qualidade.

A médica disse que no estado de São Paulo 90% das propriedades estão fora do padrão de qualidade da água. Em Santa Catarina a contaminação atinge 100%. No Paraná, o problema também já foi detectado em pesquisas da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e da Emater de Ponta Grossa.

Isto é resultado, sem dúvida, da falta de preocupação em compatibilizar a exploração dos recursos naturais com o respeito ao meio ambiente. Como ocorre no ambiente global, também é uma questão de passar dos limites, expondo todos a um risco que nem os “ecoxiitas” poderiam prever.