quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Diesel sujo mata e acaba com a saúde dos brasileiros

O aquecimento global é uma questão de dimensão tão grande que forçosamente acaba levando a mídia a deixar em segundo plano problemas ambientais muito sérios e até causadores da morte de milhares de pessoas todos os anos. Este é o caso do diesel utilizado atualmente no Brasil, com alto teor de enxofre e extremamente poluente. O combustível provoca doenças cardiovasculares, respiratórias e até mesmo o câncer.

Este tipo de poluição mata 3 mil brasileiros por ano na cidade de São Paulo, além de afetar a saúde de milhares de outras pessoas, causando até doenças crônicas. O problema estava para ser pelo menos atenuado por uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), órgão do Ministério do Meio Ambiente, que previa a colocação no mercado de um diesel com menor teor de enxofre a partir do final de janeiro deste ano.

Porém, um acordo fechado entre o governo, as montadoras de carros e a Petrobras adiou o cumprimento para 2012, passando por cima da resolução do Conama, cuja publicação é de 2002. No acerto que levou ao adiamento não houve nenhuma participação da sociedade civil.

Este adiamento por três anos do cumprimento da resolução poderá resultar na morte de pelo menos 25 mil pessoas a mais na região metropolitana de São Paulo até 2040. Não se sabe das conseqüências em outros lugares, pois nenhuma outra cidade conta com especialistas para a análise do problema, como é o caso de São Paulo, que conta com o Laboratório de Poluição Experimental da Faculdade de Medicina da USP. Foi o laboratório da USP que chegou ao número de 3 mil mortes causadas pelo diesel apenas na capital paulista.

A resolução do Conama obrigava a venda do diesel com o máximo de 50 partículas por milhão de enxofre (50 ppm) em todo o país. Ainda estaríamos em um nível acima dos Estados Unidos e Europa (com um diesel de 10 ppm e com meta de chegar a zero em breve), mas numa situação bem melhor que a atual. O nível de enxofre até janeiro deste ano para o interior era de 2000 ppm, que a Petrobras foi obrigada a baixar para 1800 ppm. Nas regiões metropolitanas o nível é de 500 ppm.

As montadoras e a Petrobras se juntaram para exigir do governo o adiamento com a justificativa de falta de tempo no aspecto técnico para o cumprimento da resolução. Ocorre que em seus países de origem as montadoras já utilizam o motor que roda com combustível mais limpo. E este tipo de motor é fabricado também no Brasil, mas apenas para exportação. A Petrobras também vende diesel limpo para os EUA e a Europa.

A situação levou o médico Paulo Saldiva, do Laboratório de Poluição Experimental a classificar a atitude da Petrobrás como “racismo ambiental e de desigualdade socioambiental”.

O médico também aponta para o fato disso ser motivado pela falta de uma política ambiental de saúde no Brasil, o que leva o país a se mover pela lógica do custo financeiro, quando medidas aparentemente mais caras podem ser compensadas pela economia no custo de saúde. Se somarmos o que se gasta em saúde, manter o diesel limpo custa menos para o país do que deixá-lo do jeito que está.

agravar o problema da poluição pelo diesel no Brasil, o Senado está para votar um projeto do senador Gerson Camata (PMDB-ES) que libera a venda de carros de passeio movidos a diesel. O projeto já passou na Comissão de Constituição e Justiça no início deste mês e em breve deve ir ao plenário para votação. O negócio é torcer para que os nossos senadores não cometam este crime contra a saúde dos brasileiros.

Ouça aqui uma entrevista à rádio CBN do médico Paulo Saldiva sobre o projeto do senador Camata. Leia também aqui um histórico da mobilização pelo diesel limpo, promovida pelo Movimento Nossa São Paulo.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Mais um aviso ao mundo de que a água pode faltar

A Semana Mundial da Água teve início no domingo em Estocolmo, na Suécia, e segue até o próximo sábado com especialistas do mundo todo discutindo este líquido cada vez mais precioso.

Mas já na semana passada o tom de preocupação que domina o encontro era antecipado por Colin Chartres, presidente do Instituto Internacional de Gerenciamento de Água, ou IWMI, sigla do nome em inglês. A organização tem sede no Sri Lanka e levou para os debates da Semana da Água na capital sueca um relatório impactante sobre a necessidade de revitalização da irrigação na Ásia.

Em alerta feito numa entrevista à agência Reuters distribuída no mundo todo, o presidente do IWMI dizia que só com a conservação da água e o aumento da produtividade no campo é que será possível alimentar a população adicional de 2,3 bilhões de pessoas, a previsão de aumento populacional do planeta até 2050 — hoje estamos em 6,8 bilhões.

A Ásia é um continente que causa grande apreensão, com seus 1,5 bilhões a mais de população previstos também para 2050. Para o encontro em Estocolmo o IWMI preparou junto com a Organização de Alimentos e Agricultura, da ONU, um relatório com estudos sobre a imensa demanda de alimentos que será criada com o aumento populacional.

A questão vital é onde arrumar água para tanta gente. “Se você olhar as tendências atuais”, diz Chartres, “verá que precisaremos de muito mais água, e nós não temos". Sem racionalizar o consumo e investir na preservação, teremos tempos bem ruins pela frente.

A agricultura é o setor que mais usa água. Em muitos países este consumo é de 70%, noutros pode chegar a 90%. Para agravar o problema, a agricultura também é altamente poluidora. No Brasil, é a segunda maior fonte de poluição, perdendo apenas para o esgoto doméstico.

Segundo Chartres, até 2030 a demanda na Índia vai exceder o fornecimento de água em torno de 20% a 40%. No momento a demanda naquele país é um pouco menor do que o suprimento.

Os problemas hídricos da Índia deviam ser tomados como um exemplo mundial, como uma precaução em relação ao que pode acontecer em outros países, caso não seja corrigido o uso descuidado da água. Outro estudo publicado também na semana passada pela revista científica Nature mostra que a escassez de água que hoje aflige os indianos tende a piorar. Conforme a publicação, as reservas do norte daquele país estão se esgotando.

O trabalho foi desenvolvido com a tecnologia do Centro de Vôo Espacial Goddard, da Nasa, e do Centro Aeroespacial da Alemanha, usando um sistema de satélites lançado em 2002 que tem a capacidade de indicar mudanças nos estoques de água do subsolo a partir de variações na gravidade terrestre.

Com este suporte, os cientistas chegaram ao indicativo de que as reservas de água no subsolo que vai da capital, Nova Délhi, até os cinturões agrícolas caiu a uma taxa de 4 milímetros de 2002 a 2008. A perda implícita é mais que o dobro do maior reservatório do país. E pior, esta queda ocorreu em anos em que não houve falta de chuvas.

Por conta disso, a questão da água entrou na agenda política indiana. E de forma meramente demagógica. Torna-se comum os políticos prometerem eletricidade gratuita para agricultores extraírem água do subsolo.

O ponto dramático da questão é que a escassez vem em grande parte exatamente dessa prática. A chamada Revolução Verde indiana aumentou de forma extraordinária a produção agrícola fazendo uso da água subterrânea para irrigação, recurso contrário à preservação.

As soluções de longo prazo encontradas com o estudo do IWMI também apontam longe dos gastos com projetos caros de infraestrutura. Hoje na índia, por exemplo, os políticos estão pensando em grandes programas de transferência de água dos rios, a exemplo do que vimos no Brasil, com a obsessão pela transposição do rio São Francisco.

Chartres diz que há uma porção de coisas que se pode fazer antes de optar para estes esquemas caríssimos. A conservação dos recursos hídricos e o uso equilibrado da água em todas as atividades humanas ainda é o caminho mais indicado.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Marina Silva e o meio ambiente na eleição presidencial

A ex-ministra do Meio Ambiente e atual senadora pelo PT do Acre, Marina Silva, trouxe uma inesperada novidade na corrida presidencial com a possibilidade do lançamento de sua candidatura pelo Partido Verde, o PV. A coisa já é quase certa. Da parte do PV não há nenhuma dúvida, já que foi a direção do partido que convidou a senadora para disputar a presidência da República pela sigla. Falta apenas a decisão final, mas sua disposição indica para uma resposta positiva.

Entretanto, ainda que sem a confirmação, a candidatura de Marina Silva já colocou em evidência o tema do meio ambiente. Nos últimos dias o assunto disputou espaço com as notícias sobre a crise do Senado, trazendo à memória pela imprensa inclusive os problemas vividos por ela em seu ministério, das inumeráveis pressões internas que acabaram determinando seu afastamento.

A saída de Marina Silva do ministério de Lula não foi, de modo algum, uma despedida natural. Foi até bem traumática, dado que os dois, além da história em comum no partido, tinham um forte relacionamento pessoal. Ela ocupava o cargo desde o início do primeiro mandato e pediu demissão em maio do ano passado, deixando claro que saía devido a divergências quanto aos rumos políticos do governo em relação aos assuntos de sua pasta.

Os atos de Lula posteriores à sua saída também mostraram que a presença dela estava atrapalhando um governo que desde o princípio pratica uma política de desenvolvimento sem nenhum compromisso com a ecologia.

Em junho deste ano Lula sancionou praticamente na íntegra a Medida Provisória, conhecida como “MP da Grilagem”. Nem os apelos públicos de sua ex-ministra do Meio Ambiente convenceram o presidente a vetar os dispositivos “mais danosos” à Amazônia, conforme ela escreveu em carta aberta publicada na imprensa.

Ao que parece, a candidatura presidencial pode dar à Marina Silva uma tribuna que ela jamais teve no governo petista. A repercussão da notícia de que ela poderia entrar na disputa mostra que, apesar de nanica, sua candidatura deve atrair uma atenção considerável da opinião pública.

É certo que, caso ela aceite de fato entrar na disputa, deve enfrentar uma parada dura no aspecto eleitoral. Ela é representante de um estado que tem apenas 0,3% do eleitorado brasileiro — foi para o senado em 2002 com 157.588 votos.

Além disso, o PV, que nasceu com a proposta de ser um partido de base do ambientalismo brasileiro, em sua atuação em todo o Brasil hoje pouco se diferencia de outros partidos de aluguel. Com menos de 1 minuto no horário eleitoral gratuito e sem estrutura mesmo em capitais, sozinho o partido está longe de ser uma base razoável para uma candidatura presidencial.

Mas é possível que nem a falta de suporte partidário possa inviabilizar a candidatura de Marina Silva. Seu caso pode ser um desses em que o próprio candidato é determinante para a necessária atração da mídia e do eleitorado. Nas últimas eleições ocorreu algo semelhante com a ex-petista Heloisa Helena, candidata pelo pequeno PSOL. A notável repercussão alcançada pelo anúncio do PV faz pensar que podemos ter no ano que vem uma candidata com um forte poder de atração.

História para isso a senadora tem. Sua imagem é ligada a um dos maiores mitos do ambientalismo internacional, o seringalista Chico Mendes, assassinado no Acre em dezembro de 1988 em um crime motivado por seu trabalho em defesa do meio ambiente.

Com Chico Mendes ela criou no Acre a Central Única dos Trabalhadores, a CUT, organização alinhada historicamente ao PT. Desde o primeiro cargo político como vereadora pelo PT na capital do Acre, ela dedica-se à questão do meio ambiente. Para sair candidata evidentemente ela terá que mudar de partido e aí está uma complicação política para o PT, que pode perder sua figura partidária de maior projeção internacional depois de Lula exatamente em um momento em que o meio ambiente é o grande assunto mundial.

Perde o PT e ganha o debate político. Pode até ser que Marina Silva não alcance o resultado maior de uma candidatura à presidência da República, mas, de qualquer modo, daria uma qualidade necessária ao debate político, com a inserção do meio ambiente como um assunto prioritário. A campanha eleitoral do ano que vem pode ter este ganho político importantíssimo para o país: a colocação em primeiro plano do tema que a classe política brasileira ainda não percebeu ser o mais vital na atualidade.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Cana-de-açúcar pode avançar sobre o Pantanal

O zoneamento do plantio da cana-de-açúcar, cuja divulgação estava anunciada para o final de julho, foi adiado sem a definição de uma nova data. Depois de ficar exatamente um ano com a Casa Civil e o Ministério da Agricultura, o estudo preparado pela Embrapa, Inpe e IBGE seria divulgado no dia 29 de julho após uma última reunião entre o presidente Lula e vários ministros. A intenção do governo é definir as áreas com permissão de plantio.

No entanto, a reunião foi adiada para dentro de “uma ou duas semanas”, conforme informou de forma imprecisa o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes.

Esta não é a primeira vez que isso acontece. O zoneamento da cana já era prometido para o segundo semestre de 2008. No início deste ano, o ministro Carlos Minc havia garantido que o zoneamento sairia em fevereiro. A repetida protelação se deve principalmente a divergências entre o ministério da Agricultura e o do Meio Ambiente.

Stephanes é favorável à liberação do plantio da cana na Bacia do Alto Paraguai, no norte do Mato Grosso. Já Minc não aceita a expansão do plantio naquela região.

Na luta pela liberação do plantio nesta área e até para a Amazônia Legal o ministro Stephanes conta com o governador do Mato Grosso, Blairo Maggi, um aliado prestigiado até com a amizade pessoal do presidente Lula.

Portanto, não é pequena a possibilidade de que novamente a ganância se sobreponha ao bem comum, afetando desta vez uma região que é referência internacional da ecologia brasileira.

A bacia do Alto Paraguai é uma área equivalente ao território de Alagoas. Ali estão nascentes que deságuam nos rios no Pantanal. A expansão do plantio da cana poderia afetar todo o ecossistema da região, ameaçando a própria existência do Pantanal.

Estimulada pela lucratividade prometida pelo etanol, a cultura da cana-de-açúcar é raiz de graves problemas que afetam desde a área trabalhista até o meio ambiente. É um problema tão antigo quanto o Brasil. Nos “Sermões do Rosário”, o padre Antonio Vieira comparou as condições de trabalho dos escravos negros no corte da cana e nos engenhos com o próprio Inferno (leia mais aqui). A edição do sermão é de 1633, porém as condições atuais também são terríveis, inclusive com o uso de mão de obra escrava, agora na ilegalidade.

Também para o meio ambiente o plantio da cana tem sido desastroso. Além da expansão sobre as florestas, com a expectativa de maior lucro com o etanol, a cultura pode afetar até o plantio de alimentos. Como se não bastassem tais problemas, é também altamente poluente, seja por efeito das queimadas que precedem a colheita ou pelo vinhoto que costuma ser jogado nos rios.

O zoneamento do plantio da cana-de-açúcar é necessário não só pela óbvia importância ambiental, mas também como um compromisso internacional do governo Lula. Neste caso, a questão tem seu lado comercial. É preciso mostrar aos países estrangeiros que a produção do etanol brasileiro não é feita à custa do meio ambiente. Sem essa garantia certamente o país sofrerá barreiras comerciais motivadas pela preocupação com o meio ambiente global.

No entanto, mais este adiamento do zoneamento mostra que é bastante forte e muito influente a pressão pelo plantio na Bacia do Alto Paraguai. Ali já existem cinco usinas funcionando. Estão lá desde antes do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) baixar uma resolução em 1985 vetando novos empreendimentos no local.

Com a liberação, certamente muitas outras usinas seriam implantadas de imediato. Contudo, o bioma da região já sofre efeitos graves causados por estas que estão em funcionamento.

O impacto ambiental desse tipo de atividade no meio ambiente é tão destrutivo que até já provocou um protesto dramático na região. Em 2005, o ambientalista Francisco Anselmo Gomes de Barros, o Franselmo, ateou fogo ao próprio corpo no centro de Campo Grande. Na carta que deixou, ele dizia: “Já que não temos votos para salvar o Pantanal, vamos dar a vida para salvá-lo”.