segunda-feira, 26 de outubro de 2009

O transporte público em eterna crise

O transporte público em Curitiba está sofrendo uma grave crise, problema que devido ao perfil histórico da cidade paranaense como metrópole modernizadora adquire uma alta simbologia do nível de abandono que o setor enfrenta em todo o Brasil.

Curitiba foi a primeira cidade brasileira a encontrar soluções criativas para melhorar as condições urbanas, com resultados excelentes no transporte público. Ali foram implantadas idéias como linhas exclusivas para ônibus e terminais onde o passageiro pode seguir para itinerários diferentes sem ter que pagar uma segunda passagem.

Em conjunto com estas facilidades práticas, procurou-se também dar qualidade e beleza a toda aparelhagem do setor, com veículos de qualidade e sempre muito bem cuidados e a construção de terminais e pontos de ônibus de alto nível arquitetônico.

Com suas estações urbanas de vidro de formas arredondadas e outras criações geniais, Curitiba teve a sacada de, junto com as vantagens práticas no transporte de passageiros, manter uma embalagem sofisticada conferindo status social ao ônibus e com isso estimular o cidadão a deixar o carro em casa.

Além do peso local na qualidade de vida, essas realizações feitas na década de 70 trouxeram a todo o país o fortalecimento de conceitos bem inovadores na época, vindo inclusive na contramão do pensamento dominante no país que era o de privilegiar o uso do carro individual.

Pelos dados revelados nestes dias pela prefeitura curitibana, hoje este cenário se encaminha para a falência. De janeiro a setembro o Sistema de Transporte Coletivo de Curitiba teve a queda de mais de 12 milhões de passagens, gerando um déficit de R$ 9,2 milhões. Em número de passageiros, a perda em média é de 1,3 milhão por mês em relação à previsão inicial para este ano.

Há muitas razões para o problema. Autoridades locais alegam até o temor do contágio pela gripe A como causa da fuga de passageiros, o que é buscar uma justificativa exagerada para uma questão que tem como base algo que também não deixa de ser doentio: o estímulo ao carro individual e a total falta de políticas públicas sérias em relação ao transporte público. Este é um setor totalmente abandonado pelos municípios, pelos estados e pelo Governo Federal.

Ao contrário, no plano federal o que existe é o estímulo às montadoras de automóveis — até com a oferta de dinheiro público fácil e direto como foi feito recentemente — e a exaltação da compra do carro individual como fator especial de desenvolvimento econômico e social, um discurso que desmotiva qualquer atenção política ao transporte público.

Esta falta de políticas públicas afeta o bolso e a saúde, já que o setor engloba problemas urbanos variados e sempre de peso negativo nas contas públicas, muitas vezes como causa direta.

Com a precariedade do transporte público prevalece o uso do transporte individual, com o aumento da poluição, dos transtornos de congestionamentos e ocupação dos espaços pelos carros e também no aumento dos terríveis índices de mortos e feridos no trânsito — muitos que depois terão de forma crônica uma vida muito difícil.

Há muito outros danos, o ecológico como um dos mais graves e com impacto direto na saúde humana. Porém, nem o peso imenso dos custos colaterais convence o país sobre necessidade de deixar de centrar no preço individual da passagem uma questão que, no fundo, tem um peso econômico e social bem mais amplo.

Outro problema criado com este descaso foi de colocar o setor nas mãos erradas. Em todo o país o setor do transporte público atende apenas ao interesse de empresários sem nenhum compromisso que não seja o lucro particular. Com eles, a melhoria do meio ambiente urbano e a qualidade de vida do cidadão não é um valor administrativo.

Este bem público de tamanha necessidade muitas vezes é dominado por empresas que seguem métodos de quadrilhas de criminosos. Em vez de trazer benefícios para as nossas cidades, o setor é responsável em grande parte no aumento da corrupção e a ascensão de políticos municipais de péssima qualidade, sempre com a intenção de manter o sistema como um meio de lucro fácil.

Não devemos esquecer que o presidente Lula perdeu um amigo e colega de partido que deveria ser o coordenador de sua primeira campanha vitoriosa em 2002 — o então prefeito de Santo André, Celso Daniel — caso não fosse assassinado em um inexplicado crime que envolve corrupção com empresas de ônibus.

Para minorar o problema financeiro em Curitiba e nas demais cidades brasileiras, o país está à espera que o Congresso Nacional vote um projeto de lei com isenções de impostos federais. Mas o fato é que enquanto a questão do transporte público for vista apenas como um problema de caixa, esta é uma crise que jamais terá fim.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

O meio ambiente como uma herança contra o futuro

Restando pouco mais de um ano para a finalização dos dois mandatos de Lula, já está muito bem definida a política ambiental de seu governo. Em política fala-se bastante em legado de governo anteriores, pois no meio ambiente é ainda mais apropriado o uso do termo, já que a ecologia é sempre o resultado futuro do que está sendo feito agora.

Na avaliação futura dos governos atuais o legado ambiental será de muita importância. E neste caso a situação de Lula é bem pior que a dos governos que ele acusa com frequência de terem deixado situações difíceis de serem administradas.

E já que qualquer medida que surgir até o final de 2010 deverá ficar para o próximo presidente da República colocar em prática, seu legado já está praticamente realizado. O que fica é a ecologia como um incômodo ao desenvolvimento. Esta falsa premissa tem sido expressada pelo próprio presidente Lula — e não poucas vezes. Serviu para atropelar leis e o bom senso. E até para se eximir de atrasos causados por incapacidade administrativa.

Dessa forma, o governo buscou fixar na opinião pública a imagem do respeito ao meio ambiente como um estorvo à conclusão de obras que trazem a qualidade de vida que todos querem.

Com não poderia deixar de ser, esta triste tática contamina o Congresso Nacional, fortalecendo as bancadas sem nenhum compromisso com a exploração equilibrada dos recursos naturais. Até porque, além de verbal, o estímulo é também material, ajudando nas maquinações contrárias ao meio ambiente.

Um gesto forte neste sentido, com alto peso simbólico e prático, foi a assinatura da MP 458, a chamada “MP da Grilagem”, uma privatização de terras públicas sem precedentes em nossa história, entregando propriedades inclusive ocupadas de forma criminosa.

A MP já nasceu torta no Palácio do Planalto para ser piorada com emendas parlamentares no Congresso Nacional. Desta associação nasceu o que a senadora Marina Silva chamou de “a pior iniciativa do governo Lula até hoje”. E ela tem conhecimento de causa, já que deve ter visto muita coisa nos bastidores do governo a que serviu como ministra na pasta do Meio Ambiente.

Agora como lei, a “MP da Grilagem” está sendo executada na Amazônia. Suas conseqüências não são pra já. Deverão vir com um pouco mais de prazo, mas num tempo sempre menor, pois o relógio dos impactos ambientais corre cada vez mais rápido.

Da parceria do Governo com o Congresso poderia nascer um país com liderança internacional no meio ambiente. Pois acontece o contrário.

À exemplo da “MP da Grilagem”, na área as iniciativas do Governo se juntam ao que temos de pior no Legislativo. E com isso, além das outras marcas ambientais negativas, Lula pode ter a fama histórica do presidente que ajudou a mexer no Código Florestal Brasileiro, com uma reforma que se encaminha para piorar o que temos.

Nesta semana, foi criada a Comissão Especial do Código Florestal Brasileiro na Câmara. Os ruralistas mandam na comissão, um poder obtido graças ao apoio do PT e do governo Lula.

É possível prever o que vem por aí pela fala de um dos ruralistas que o governo levou à comissão, o deputado Luis Carlos Heinze, do PP gaúcho, partido da base de Lula. "Os americanos, os europeus não preservaram. E agora os trouxas do Brasil precisam?", ele disse, numa pergunta que traz em si muito mais que uma afirmação. É um eco claro das falas do presidente Lula para se eximir das responsabilidades ambientais brasileiras.

É notável a semelhança com o notório argumento de político flagrado em corrupção, quando se usa a justificativa de que os colegas praticam as mesmas ilegalidades. Só que neste caso o perigo é maior. Caso não se tome medidas ambientais urgentes no plano internacional todos pagarão bem caro. Inclusive “os trouxas” de que fala o deputado.

Não é à toa que Marina Silva fez questão de fixar na questão ambiental as razões do seu pedido de demissão. É óbvio que a corrupção ocorrida é condenável, mas a ex-ministra faz a coisa certa em apontar o como alvo o meio ambiente.

É que quando começarem a aparecer as conseqüências da política oficial para esta área, fatos como o mensalão e tantas outras ilegalidades serão ficha pequena. A mais grave herança maldita do governo Lula é a ambiental.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Uma corrente de respeito ao meio ambiente

Desde que foi fundado, há quase dois anos, o Movimento Água da Nossa Gente envia pontualmente toda semana uma mensagem para milhares de destinatários, onde tratamos de questões do meio ambiente, buscando mostrar as implicações dos graves problemas atuais na vida de todos nós. Sempre procuramos apresentar bastante informação para que, além de conhecer nossa concepção, o leitor receba também elementos informativos para a formação de sua própria opinião.

O Movimento faz aniversário no próximo mês. E neste tempo todo, semana a semana remetemos este texto, na forma de uma conversa fraterna sobre o mundo que nos cerca e seus impactos ambientais. Escolhemos também fazer um texto diferente do formato usual da Internet, que costuma conter apenas informações básicas e muitas vezes factuais sobre as atividades da organização responsável pela mensagem.

Nós optamos por expor conceitos em defesa do meio ambiente, fazendo uma ligação com a numerosa informação científica e política disponível hoje sobre o assunto. Resolvemos acreditar na força difusora da Internet e hoje vemos que este foi um rumo acertado.

Além de ser publicado em nosso blog na internet, temos os destinatários do nosso e-mail, que transformam nossas mensagens de forma criativa e inteligente. Nossos textos recebem dos leitores os tratamentos mais diferenciados, atingindo uma qualidade que leva sempre além o que apontamos com sinceridade aqui. Como acontece com os correios eletrônicos, o reenvio é constante. Nossa mensagem é repassada entre pessoas de todo o mundo e também acaba chegando aos meios profissionais com interesse direto em meio ambiente.

De forma que assuntos que interessam a determinadas categorias profissionais ou grupos sociais acabam tendo uma multiplicação bem grande com o reenvio e a disponibilização em sites de sindicatos, entidades representativas e em blogs pessoais ou corporativos dos mais variados estilos.

Nosso trabalho se espalha de forma tão numerosa por toda a WEB que até já localizamos textos nossos em sites e blogs tendo como identificação da fonte o site onde na verdade aconteceu a republicação do que fizemos. E nem vale a pena reclamar a falta de crédito, já que o que interessa acima de tudo é a consciência sobre o meio ambiente.

Da internet, o material do Movimento Água da Nossa Gente vai para trabalhos escolares, os textos são usados em salas de aula, foram lidos em reuniões religiosas, dão conteúdo para ajudar em teses universitárias e até servem de assunto para debates em família, um dos usos que mais nos causou emoção.

Há três semanas tivemos outra excelente repercussão, ainda mais gratificante porque foi igualmente resultado desta corrente humana na internet da qual somos um elo. Fomos procurados para dar uma entrevista ao Boletim do Inca, o Instituto Nacional do Câncer, sobre os danos do tabagismo ao meio ambiente.

O INCA teve conhecimento da existência do Movimento Água da Nossa Gente exatamente por uma mensagem nossa sobre o assunto. A indústria do tabaco é um dos exemplos mais significativos de uma política destrutiva dos recursos naturais, que começa no plantio da matéria-prima ─ uma agricultura que destrói o solo, a água e a saúde do plantador ─ e segue embalada até o produto final que empesteia o ar e os pulmões, matando, aleijando e danificando a saúde humana de forma irreversível, e ainda vai além, no impacto ambiental do cigarro depois de fumado.

A nossa abordagem do tabagismo do ponto de vista ambiental chegou ao INCA por uma mensagem eletrônica reenviada a eles. Dessa forma, tivemos aberto mais este canal tão respeitável, com a nossa opinião publicada em seu site e enviada por meio de seu boletim eletrônico. A história do Instituto Nacional do Câncer começa na década de 30, com a construção do que na atualidade é um dos organismos de saúde pública mais importantes do mundo. Receber a atenção de uma instituição de tamanha credibilidade só nos traz orgulho e satisfação. E a sensação de que estamos trabalhando corretamente.


A entrevista ao INCA pode ser lida aqui

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Passando dos limites até dos ecoxiitas

Não é de hoje que se busca criar no debate sobre o meio ambiente uma oposição entre desenvolvimento e o respeito ecológico, como se a preservação ou conservação da natureza fosse o oposto de uma agropecuária produtiva ou uma trava ao desenvolvimento de qualquer espécie.

Com as informações atuais sobre o aquecimento global ou os números cada vez mais alarmantes sobre os efeitos da ação humana sobre os recursos naturais do planeta, este discurso tem cada vez menos efeito, mas já houve um tempo em que referências à defesa do meio ambiente eram recebidas como coisa de “ecoxiita”.

Na década de 80, a revista Veja chegou a publicar uma capa em que tratava como loucos fundamentalistas os defensores da ecologia, numa reportagem que, entre outras coisas, negava o aquecimento global.

Os próprios fatos vieram desmentir estas bobagens que atrasaram de forma substancial ações que podiam ter evitado vários problemas que enfrentamos atualmente. E o tempo mostrou ironicamente que os dois lados estavam enganados.

Os detratores dos ecologistas erraram feio. Os desastres ecológicos que ironizavam tornaram-se fatos de uma dimensão que nem os ditos “ecoxiitas” conseguiram antecipar, pois dados atuais provam que os problemas já estão de um tamanho além do que se esperava.

Nesta semana um grupo de cientistas publicou um estudo na revista Nature, respeitada publicação científica do Reino Unido, em que elencam situações definidas como limites para se evitar grandes catástrofes ambientais e climáticas. Três dessas fronteiras limites já foram ultrapassadas.

Os elementos fundamentais são: acidificação dos oceanos; interferência nos ciclos globais de nitrogênio e de fósforo; uso de água potável, alterações no uso do solo; carga de aerossóis atmosféricos; poluição química; e a taxa de perda da biodiversidade, tanto terrestre como marinha.

Já ficaram para trás limites como a concentração de poluentes na atmosfera — que seria de 350 partes por milhão (PPM) e que já está em 387 —, os ciclos de nitrogênio e fósforo, a acidificação dos oceanos. Segundo o relatório estão próximos os limites no uso da terra e também da água. E a biodiversidade também já está na área de risco.

A extrapolação de previsões científicas quanto aos efeitos impactantes da ação do ser humano sobre o meio ambiente infelizmente não tem sido novidade ultimamente. Neste mesmo espaço já citamos estudos atualizados que afirmam que a velocidade do aquecimento global, entre outras questões, é bem maior do que se pensava.

Já uma informação divulgada esta semana traz os limites para o terreno brasileiro, além de denunciar o perigo dos impactos ambientais para a agricultura e a pecuária. Em um evento da Emater, em Londrina, Paraná, a médica veterinária Lídia Cristina Almeida Picinin, professora da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), alertou que a poluição das águas nas propriedades rurais pode colocar em risco a nossa produção de leite, atividade que necessita de água de boa qualidade.

A médica disse que no estado de São Paulo 90% das propriedades estão fora do padrão de qualidade da água. Em Santa Catarina a contaminação atinge 100%. No Paraná, o problema também já foi detectado em pesquisas da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e da Emater de Ponta Grossa.

Isto é resultado, sem dúvida, da falta de preocupação em compatibilizar a exploração dos recursos naturais com o respeito ao meio ambiente. Como ocorre no ambiente global, também é uma questão de passar dos limites, expondo todos a um risco que nem os “ecoxiitas” poderiam prever.