segunda-feira, 30 de novembro de 2009

O crime ambiental nos tribunais internacionais

O argentino Adolfo Pérez Esquivel tem percorrido o mundo com um projeto para combater os crimes ambientais que parece uma antevisão de um futuro cada vez mais próximo. Sua proposta é que responsáveis por danos graves ao meio ambiente, como empresas e dirigentes políticos, sejam julgados pelo Tribunal Internacional de Haia.

Esquivel toca em algo que conhece bem: a impunidade que o poder confere ao crime. O argentino foi o ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 1980 por sua luta pelos direitos humanos. Suas ações humanitárias tiveram como centro a realidade política de uma América Latina tomada pelo autoritarismo, com a Argentina vivendo sob uma das mais ferozes ditaduras do continente.

Em seu ponto substancial, a proposta do Prêmio Nobel traz a concepção de que hoje os direitos humanos incluem os direitos econômicos, sociais e ambientais. Mas isso evidentemente não é novidade.

O que Esquivel traz de novo é o desenvolvimento prático, propondo que aconteça fora das fronteiras nacionais o julgamento e punição de delitos que comprovadamente causam efeitos negativos muito além do território onde são cometidos.

É um raciocínio parecido com o que levou o mundo a dar uma atenção universal aos direitos humanos, o que levou à democratização em vários países no final do século passado, entre eles a Argentina de Esquivel e também o nosso Brasil.

Nesta visão, criminosos políticos que hoje são julgados em tribunais internacionais não seriam muito diferentes dos que praticam crimes ambientais. Na essência, a contaminação da água, por exemplo, se nivelaria à tortura e ao terrorismo.

Sua campanha ainda está no início, como ele mesmo diz, mas a proposta não é somente retórica. Ele conta com a ajuda de juristas internacionais e tem viajado pelo mundo debatendo esta mudança da legislação internacional. Na última semana ele esteve em São Paulo.

Um plano como esse parece inviável, mas não é improvável que o agravamento dos problemas ambientais leve forçosamente ao estabelecimento de um tratamento jurídico internacional para o crime ambiental.

O que parece impossível no momento, levando em conta especialmente que tal idéia teria que contar com o apoio da China e dos Estados Unidos, dois conhecidos vilões no tema, pode muito bem tornar-se realidade com o agravamento dos impactos no ambiente global.

Uma questão levantada pela proposta de Esquivel é a dificuldade interna de vários países em combater e penalizar o crime ambiental. Em entrevista à revista Veja ele usou como exemplo a impunidade da Alumbrera, empresa que extrai milhões de litros de água por hora em uma zona quase desértica da Argentina, causando também vazamentos tóxicos e com denúncias de contaminação por chuva ácida.

De fato, em vários países o crime ambiental dificilmente sofre punição. Em muitos deles — e nisso o Brasil não é exceção — até ocorre o contrário. A anistia a crimes e o abrandamento da legislação ambiental, forçados por lobbies poderosos, no final prejudica apenas os que cumprem as regras.

Na prática é uma forma de punição ao cumpridor de leis e de generosidade com o criminoso, o que leva a uma situação propícia ao uso desmedido dos recursos naturais e a destruição da natureza.

Em nosso país esta desordem legal é extremamente perigosa, principalmente por afetar a Amazônia, região historicamente visada pela cobiça internacional e hoje com especial importância na ecologia planetária.

Esquivel foi ao ponto certo. Como causadores de efeitos globais, crimes ambientais não podem ter um tratamento apenas local. Mesmo porque, numa tendência crescente, os grandes poluidores deslocam-se sempre para países em condições políticas e jurídicas mais frágeis. A proposta da criação de um tribunal internacional para crimes ambientais surge também em um ponto ainda anterior às previstas condições ambientais mais graves ou até de alguma catástrofe mundial. Numa situação ainda de relativo equilíbrio, sua implantação poderia não só evitar o pior no futuro como ainda permitiria a opção por instrumentos mais democráticos.

Mais pra frente o remédio exigido pode ser mais amargo. As leis, como se sabe, têm sempre uma relação direta com a gravidade do tempo em que elas são feitas.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Empurrando o clima com a barriga

Os líderes mundiais estão se superando na questão do meio ambiente. Se antes havia compromissos para não serem cumpridos, como foi com o Protocolo de Kyoto, agora sequer assumem obrigações, já que acordos são adiados de véspera. Foi o que aconteceu com a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, marcada para dezembro em Copenhague.

O esperado tratado internacional de redução das emissões dos chamados gases estufa não sairá mais. Por decisão do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, além da China e outros líderes globais, o acordo para o clima foi adiado.

Da reunião de Copenhague sairá uma mera declaração de intenções “politicamente vinculante”, sem o pretendido caráter obrigatório. Um acordo efetivo fica para depois, talvez na Conferência do Clima que será realizada no México em dezembro do próximo ano.

É claro que a expressão “politicamente vinculante”, criada para abafar o fracasso da reunião que ainda nem ocorreu, não vai além da retórica. Em termos práticos a reunião de Copenhague perdeu o sentido, se é que teve algum para as autoridades mundiais.

As dificuldades para chegar a Copenhague com a possibilidade de alcançar um acordo para o clima já eram sentidas há meses. Para emissões menores dos chamados gases estufas é preciso mudar o modelo econômico dominante. Acontece que alguns países altamente poluidores, como a China, começaram a gozar este crescimento recentemente e tomaram gosto pela coisa. Dificilmente vão mudar algo sem que se vejam forçados a isso.

Outros países, como os Estados Unidos, estão há décadas na linha de frente do abalo do clima terrestre. São os promotores mais ativos do modelo que está levando o mundo à breca.

Não é só coincidência que a notícia da transformação do encontro em Copenhague em um mero passeio tenha vindo na mesma semana em que o presidente Barack Obama se encontrou com o presidente chinês Hu Jintao.

Obama é um político que aparenta ter consciência da urgência do problema do clima, mas sofre cerrada barreira interna dos republicanos e também de parlamentares conservadores de seu próprio partido. Num país onde até a extensão do seguro saúde para a população mais pobre é de difícil convencimento da classe política não deve ser mesmo fácil se entender quanto ao aquecimento global.

46 milhões de norte-americanos não têm seguro saúde e por causa disso morrem por ano 45 mil pessoas por falta de bons cuidados médicos.

Sendo difícil entrar em acordo num tema desses, imaginem então complicação que a defesa do clima pode ser para a classe dirigente de uma potência que se fortalece em boa parte com a exploração sem limites dos recursos do planeta.

O país de Obama tem 4% da população mundial, sendo responsável por mais de 20% de todas as emissões globais de gases do efeito estufa.

Já a China é responsável por 15% e não demonstra intenção alguma de parar por aí. Até porque sua capacidade de crescimento só recebe incentivos e aplausos dos outros países. A dificuldade de sustentação deste progresso insano não conta. Os chineses poluem e esgotam seus recursos naturais. Algumas regiões já sofrem com a falta d’água, a destruição do solo e a ruína ecológica de imensas porções de seu território. Mas o que conta para a maioria dos países, incluindo o Brasil, é tirar um naco de aproveitamento do crescimento chinês.

A história chinesa também é marcada pela obstinação na implantação de modelos de desenvolvimento cujo número de vítimas mortais alcança sempre a casa dos milhões. Na estúpida campanha liderada por Mao Tse-Tung (1893-1976) chamada “Grande Salto Adiante”, que pretendia industrializar a China de forma rápida, morreram cerca de 20 milhões de pessoas, vitimadas em grande parte pela fome. Os números fatais são sempre grandiosos e a marcha interrompe-se apenas depois de tragédias humanas colossais.

Não é razoável acreditar que um país com tal histórico escolha a opção do necessário desenvolvimento equilibrado sem que haja antes um número fenomenal de vítimas dando o aviso de pare que o sistema comunista demora a perceber.

O lado capitalista também tem uma má-vontade semelhante. Mesmo que haja maior liberdade de opinião, permitindo a discussão dos temas ambientais e até claras divergências, a verdade é os Estados Unidos estão longe de aceitar um refreamento do egoísmo e da ganância que levaram o mundo a esta situação grave.

Os dois maiores poluidores lideraram os demais países para adiar em pelo menos um ano um acordo que já viria tarde neste mês de dezembro em Copenhague. Isso não só é empurrar para frente uma situação já bem grave, como também abre-se um campo para que até lá ele o problema esteja bem mais difícil de resolver.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Desmonte da legislação e farra de licenças ambientais

Um processo movido pelo Ministério Público Federal e o Ministério Público de Rondônia contra o presidente do Ibama, Roberto Messias Franco, traz para o debate do meio ambiente a suspeita rapidez das licenças ambientais e o desmonte da nossa legislação ambiental.

O presidente do Ibama responde a processo por improbidade administrativa acusado de conceder a licença de instalação do canteiro de obras e para todo o empreendimento da Usina de Jirau, no Rio Madeira, em Rondônia, sem respeitar a Lei de Licitações nem a Constituição. Com ele, também é processado o diretor de Licenciamento do Ibama, Sebastião Custódio.

A ação do MP está muito bem fundamentada. Na apressada licença foi descoberta até uma estranha negligência com a segurança da barragem. Não há previsão de gestão das toras e detritos. Acontece que o rio Madeira ganhou este nome exatamente pela grande quantidade de madeira que desce por seu curso.

Franco tem a fama de “destravador” de licenças ambientais, a mesma reputação que levou seu superior, Carlos Minc, ao cargo de ministro do Meio Ambiente. A significação diferenciada é novidade política implantada no governo Lula.

É uma definição que não deixa de atentar contra a ética, pois desqualifica imediatamente o agente público cumpridor das leis. Ao respeitar o caminho reto da legislação, todo funcionário corre o risco de ser acusado de ser um estorvo ao desenvolvimento.

Parece um plano seguido à risca. Primeiro a desqualificação das leis, como sendo severas em excesso ou até restritivas à boa gestão pública. Depois sua reforma ou eliminação.

Para este fim, a farra de licenças também é muito útil, colocando o Ibama fora de seu papel como órgão de fiscalização, acompanhamento e controle.

É claro que o problema não atinge apenas o meio ambiente. Porém, foi neste setor que a desmobilização de órgãos de controle a os ataques à legislação prosperou como em nenhum outro lugar.

A desqualificação das leis brasileiras atinge o conjunto da gestão pública, usando como um dos focos de críticas o Tribunal de Contas da União (TCU). O alvo não é nada casual. Atinge-se dessa forma uma instituição de forte peso simbólico para a transparência e a fiscalização do Estado. Mas a cunha que abriu espaço para este discurso foi sem dúvida implantada de início na política para o meio ambiente.

A confluência de interesses juntou com facilidade a ala governista e a oposição para o ataque e o desmonte da legislação ambiental. Tucanos e demos estão sempre com sua bancada ruralista e políticos ligados a empreiteiras a postos para ajudar no serviço proposto pelo governo.

Isso cria uma sincronia que uniformiza de forma natural até o discurso. Quando o país não anda é em razão da legislação. Mesmo quando os fatos comprovam que muitas obras são interrompidas ou sofrem críticas em conseqüência da incapacidade da máquina pública e do esvaziamento dos organismos oficiais do meio Ambiente.

A desqualificação chega a ser jocosa. O presidente Lula já apelou para a inacreditável perereca inimiga do progresso e até para a memória de Juscelino Kubitscheck que, segundo ele, seria impedido pela legislação ambiental até de descer de avião no centro do país para fundar Brasília.

É um discurso para matar a idéia de que pode existir um progresso em combinação com o respeito ambiental.

E os ataques verbais são acompanhados de medidas práticas. A lei que nasceu da MP da Grilagem é um bom exemplo. Com ela, foram anistiados na prática grileiros que fizeram até o uso da força para se apossar de imensas porções de terras públicas. Com isso, foram desmerecidas leis que até hoje regem a questão.

Também neste contexto, temos a impressionante orquestração política para a reforma do Código Florestal Brasileiro. É outro tema que junta governistas e oposição, como prova de que a única esperança contra a depauperação ambiental do país é atuação da sociedade civil.

No caso do Código, seu enfraquecimento viria apenas oficializar o descumprimento de décadas. Mas, a exemplo da farra de licenças, seria outra cunha habilmente cravada para alargamentos futuros em leis já estropiadas.

A pressão vem todos os lados. O Legislativo faz sua parte e ministros do governo insuflam pecuaristas, agricultores e setores do empresariado. E a máquina do governo também age internamente.

Uma auditoria interna recente feita pelo TCU no Ibama colheu depoimentos sobre pressões políticas para a concessão de licenças. A fonte da pressão é o PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento, do governo Lula.

Segundo o documento, que é de setembro deste ano, a intensa pressão acaba gerando a manipulação dos próprios procedimentos legais, criando um quadro em que o órgão deixa de atuar em relação aos danos ao meio ambiente.

Para o TCU, o Ibama está focado no processo de concessão de licenças ambientais e não possui capacidade de avaliação sistemática sobre os benefícios da liberação das obras e muito menos sobre seus impactos. Um diagnóstico revelador da auditoria é que ao governo interessa ter o órgão como um mero organismo cartorial expedidor de licenças.