quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Tietê, um rio que não ressuscita

O jornal Valor Econômico publicou uma excelente reportagem sobre a poluição no Tietê, rio que nasce em Salesópolis, passa pela região metropolitana cruzando a capital paulista e atravessa todo o estado de São Paulo percorrendo 1100 quilômetros até desaguar no rio Paraná, na fronteira do Mato Grosso Sul.

A reportagem de Samantha Maia e Daniela Chiareti é rica em informações sobre o atual estado do Tietê, um dos rios mais poluídos do país. Traz também o resultado das ações do Projeto Tietê, criado pelo governo paulista para sua despoluição.

A promessa era a de que em 15 anos a população poderia usar o Tietê “como os americanos usam o Potomac”. Em 1992 os políticos referiam-se ao rio de Whashington afirmando que como lá, após esse período de despoluição o Tietê teria lanchas, caiaques e jet skis, com a população podendo usufruir do rio sem riscos para a saúde.

Segundo a reportagem, foram investidos mais de US$ 1,5 bilhão em estações de tratamento e redes de coleta, mas o Tietê continua tão morto quanto antes. O financiamento foi feito com empréstimos junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento, o BID.

O texto revela que mesmo com todos os gastos, a Grande São Paulo perdeu a primeira colocação no ranking de melhor atendida por rede de esgoto entre as dez maiores regiões metropolitanas do país. As outras cuidaram melhor desta área.

No início do Projeto Tietê, em 1996, 75% dos moradores da Região Metropolitana de São Paulo tinham coleta e tratamento de esgoto. Em 2006 este índice foi para 79%, colocando os paulistas no terceiro lugar empatados com Salvador. Belo Horizonte está à frente, com 83% (estava com 68% em 1992), seguida pelo Distrito Federal, que hoje tem 80%, contra 73% em 1992.

O objetivo inicial, que era limpar o rio em dois anos, não foi alcançado nem nos quinze anos do projeto. Segundo Richard Hiroshi, da diretoria de controle de poluição ambiental da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo, a Cetesb, chegou-se a apenas 1/3 do que se deveria deixar limpo o Tietê. E ele diz que a despoluição levará mais “uns oito anos para avançar um pouco”. A limpeza completa levará décadas.

O Projeto falhou inclusive na área de avaliação e estabelecimento de metas. Hoje não se sabe bem nem qual é a real quantidade de esgoto que tem no Tietê. Sabe-se apenas que é uma quantidade excessiva. E as metas ambientais, que já não existiam no início do projeto, até hoje não foram estipuladas.

O único avanço na limpeza das águas foi quanto à queda da poluição industrial. Foram 1250 empresas monitoradas, as maiores poluidoras da região. Lançavam 4,7 toneladas por dia de metais pesados no rio, índice que caiu para 0,14 ton/dia já em 1995. Mas esta menor poluição ocorre também pelo fato de que apenas 607 dessas empresas continuam na área. A metade fechou ou mudou. E mesmo neste quesito há uma falha gigantesca: outras 290 indústrias deveriam ser monitoradas em uma segunda fase do projeto, com US$ 5 milhões do BID. Mas isso não aconteceu.

Nessa segunda fase também eram esperados recursos na ordem de U$ 1,2 bilhão, mas ingressaram apenas U$ 400 milhões. Outro fator que dificulta a limpeza do Tietê é a relação da Sabesp com as cidades que têm serviço de saneamento próprio. Segundo o Valor Econômico, dos 34 municípios da região, seis não estão sob o regime da Sabesp e acabaram não participando do projeto.

Guarulhos, a maior cidade da região metropolitana, com 1,2 milhão de habitantes, não trata uma gota de esgoto e joga tudo no rio. Apenas em dezembro de 2006 a prefeitura assinou um acordo com o Ministério Público se comprometendo a universalizar a coleta e o tratamento. Mas o prazo estipulado, de 30 anos, é considerado demasiado por especialistas e ambientalistas.

"É um abuso este prazo", diz o geógrafo Gustavo Veronesi, da Fundação SOS Mata Atlântica. Ele disse ao jornal, com toda a razão, que "não temos tempo a perder, tinha que começar ontem”.

Mas também entre os municípios sob o regime da Sabesp existem problemas. Itaquaquecetuba, por exemplo, teve que apelar para o Ministério Público para obter com a empresa um plano para a cidade, que tem 350 mil habitantes e só 5% de tratamento de esgoto.

A reportagem traça um aprofundado quadro da situação do Tietê e mostra uma absurda falta de atenção dos governos estadual e federal para com a limpeza do rio, com falta de investimento e, mais ainda, a ausência de comprometimento das cidades atingidas pelo problema. A falta de consciência sobre a situação dramática dos recursos naturais acaba colocando em segundo plano o cuidado com algo tão vital e desviando muitas vezes os recursos financeiros para obras que jamais deveriam ter prioridade sobre a água.

Vale a pena ler na íntegra a reportagem do Valor Econômico, o que você pode fazer em nossos arquivos. Para isso, clique aqui.
POR José Pires

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