terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Problema da água foi destaque no Fórum de Davos

O Fórum Econômico Mundial realizado na Suiça, mais conhecido como Fórum de Davos, que terminou neste domingo, teve o meio ambiente como um dos seus temas de discussão. E apesar da mídia ter centrado a cobertura nos debates sobre a crise econômica norte-americana, foi em torno do estado preocupante do meio-ambiente em nosso planeta que surgiram elementos que realmente deveriam ocupar o centro da atenção do mundo.

A reunião em Davos registrou um número recorde de sessões e workshops sobre alterações climáticas. É uma novidade interessante em um fórum destinado a assuntos econômicos. E se o enfoque da mídia foi no receio de uma recessão nos EUA, isso se deveu ao oportunismo que ainda rege a cobertura da imprensa e que coloca em segundo plano temas com muito mais influência sobre o destino da humanidade.

Amplos setores da mídia deram destaque às discussões econômicas, assunto de fato relevante e oportuno, em especial com o advento da crise nos EUA, mas de influência bem menor sobre a humanidade do que as conseqüências do desastre anunciado para o meio ambiente caso não sejam tomadas medidas urgentes pelos grandes países. A imprensa seguiu o rumo temido por Rajendra Pachauri, diretor do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, sigla em inglês), da ONU, que disse em Davos que “se nos distrairmos agora com as aberrações do mercado financeiro, isso será muito infeliz”.

Aliás, para que os resultados sejam mais produtivos os dois temas − crise norte-americana e meio ambiente − teriam de ser discutidos em conjunto já que a economia dos EUA é determinante no caos ambiental global, além do que a busca de resultados práticos para o ataque a ambos os problemas exigem medidas simultâneas, como a mudança nos hábitos de consumo do sistema capitalista, principalmente da população norte-americana. Contando com 5% da população mundial, os EUA são responsáveis por cerca de 25% das emissões de gases que causam o efeito estufa. Os EUA também consomem cerca de 28% do petróleo produzido no mundo. Além de altamente poluente, o petróleo é um recurso natural em progressiva extinção. Uma redução de 10 por cento na demanda norte-americana seria quase equivalente a todo o consumo da Índia, que é de 3 por cento do total mundial.

Foi em razão da recusa de qualquer mudança neste modelo de desenvolvimento que o governo Bush se negou a assinar o Protocolo de Kioto, cujo objetivo, até modesto, era o de reduzir em 5,2 por cento as emissões de gases causadores do efeito estufa. Mas a elevada atenção sobre a questão ambiental em Davos − que é um evento dominado pelos conservadores − mostra que algo está mudando e que a eleição presidencial nos EUA terá um papel determinante sobre a questão ambiental.

Al Gore, que foi um influente vice-presidente do EUA, esteve em Davos discutindo o meio ambiente e foi uma das estrelas do Fórum, tanto por sua importância quanto ao tema (ganhou o Prêmio Nobel de 2007 pelo seu trabalho ecológico) quanto por sua alta relevância na política norte-americana. Gore perdeu para Bush em 2000 em uma eleição marcada pela suspeita de fraude.

Em Davos, Gore defendeu a alteração de leis internacionais para resolver o problema das alterações climáticas porque, na sua opinião, “só mudar para lâmpadas mais eficientes” não resolve. “Além da mudança para lâmpadas mais eficientes, é de longe mais importante mudar as leis e as obrigações que as nações têm”, ele declarou aos delegados do Fórum, numa referência vista como uma crítica à administração Bush e sua negativa em apoiar qualquer legislação mais eficaz de controle ambiental.

O político norte-americano, que foi vice durante os dois mandatos do presidente Bill Clinton, também disse que a eleição de um novo presidente para os EUA em novembro deve trazer boas novidades no setor. “Quem quer que venha a ser eleito terá uma posição diferente e melhor” ele disse, mas ressaltou que o nível de responsabilidade nesta questão virá quando as pessoas conferirem “um grau suficiente de urgência” ao tema.

O que Gore certamente quer dizer é que somente a pressão da sociedade civil sobre as lideranças pode determinar as soluções urgentes exigidas pelos problemas ambientais do planeta.

Em Davos surgiram também críticas a novos combustíveis que surgem como aparente solução para a redução da emissão de gases com efeito estufa e também a diminuição de custos econômicos na área energética. A produção de biodiesel como combustível alternativo, alardeada de modo prematuro e com fins nada honestos de mera auto-propaganda pelo presidente Lula e vendida por seu governo como uma solução eficiente na área, foi objeto de condenação até de setores conservadores.

O presidente-executivo da Nestlé, Peter Brabeck, alertou que a opção por biocombustíveis e o seu uso industrial pode esgotar os recursos hídricos. Brabeck lembrou dados conhecidos sobre a produção de biocombustíveis. “São precisos nove mil litros de água para produzir um litro de biodiesel” ele disse, alertando que esta estratégia claramente danosa ao meio ambiente é apoiada “por todos os grandes governos”.

Ainda na área dos recursos hídricos, uma idéia lançada no Fórum foi a criação de um mercado para a água, à semelhança do que acontece com o carbono. O plano é transformar a água em commodity, com um valor correspondente à sua importância. Hoje em dia, por exemplo, o aço e o petróleo são commodities (o plural na língua inglesa). Vai ser exigido do Brasil uma participação ativa neste debate, pois a idéia pode ser tão perigosa quanto lucrativa para um país como o nosso, com grandes reservas de água.

Na reunião, o tema da água foi bastante destacado, como uma área especial entre os variados problemas que englobam a questão ambiental. Falando no Fórum, o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, alertou que a “água é um problema tão crítico como as alterações climáticas”, sendo a sua solução bem mais complexa que a do clima.

Ele alertou que a escassez de água causa um sério impacto sobre o mundo, com ameaças ao crescimento econômico, aos direitos humanos e à segurança nacional.

Ki-monn lembrou que os confrontos em Darfur, província do Sudão, resultam da escassez de água. Em Darfur, mais de 200 mil pessoas morreram nos últimos quatro anos. A região sofre com bombardeios, destruição de comunidades e o assassinato de populações inteiras. Ali, o deserto do Saara avança por áreas de cultivo, reduzindo o acesso à água. A luta por espaço vital e dotado de recursos hídricos é um forte elemento da tragédia de Darfur.

“Os confrontos entre agricultores e pastores surgiram depois da falta da chuva e da água se tornar um bem escasso. Morreram cerca de 200 mil pessoas. Vários milhões abandonaram as suas casas. Mas está quase esquecido o acontecimento que foi a origem de tudo: a seca, a escassez do recurso vital para a vida”, disse o secretário-geral da ONU.

Os massacres em Darfur, lembrados em Davos como parte de um conflito que começou com a escassez de água é, de certo modo, um aviso para toda a humanidade sobre os extremos a que são levados os seres humanos quando confrontados com a escassez de recursos básicos para a sobrevivência.
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POR José Pires

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