terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Siderúrgicas ameaçam mata nativa do Pantanal

Com o desmatamento recorde da Amazônia ainda em discussão, surge agora outra notícia ruim, desta vez relacionada ao pantanal brasileiro. Na semana da passada foi lançado um estudo com informações preocupantes para o Pantanal brasileiro. Realizado pelo Centro de Estudos em Sustentabilidade (CES) da FGV (Fundação Getúlio Vargas) o estudo alerta sobre a ameaça do uso do carvão vegetal sobre a mata pantaneira nativa do Mato Grosso do Sul.

A pesquisa, produzida com o apoio da organização não-governamental Conservação Internacional, revela que a implantação do complexo minero-siderúrgico de Mato Grosso do Sul (CMS-MS), na cidade de Corumbá, elevará a demanda por carvão vegetal. 40 mil hectares do Pantanal estão sob risco imediato e mais de 392 mil hectares podem tombar nos próximos anos.

A implantação do complexo minero-siderúrgico em Corumbá começou em 2006. As empresas já estão em atividade e planejam um crescimento que o estudo demonstra ser incompatível com as condições ecológicas da região. A projeção feita pelo CES prevê um quadro trágico para o Pantanal, caso não seja implantado também um projeto florestal sustentável para atender ao crescimento da demanda por carvão.

No sábado passado o jornal Folha de S. Paulo publicou uma reportagem sobre o assunto e ouviu um dos autores do estudo. Segundo o pesquisador André Carvalho, o problema já é grave na atualidade. Hoje a demanda é de 9.000 hectares, enquanto estão prontos para o corte apenas 5.000 hectares. Com isso, o risco sempre é que as siderúrgicas avancem na mata nativa.

Como faltam 4.000 hectares, ou quase metade da demanda, o pesquisador avisa que haverá uma pressão anual sobre cerca de 40 mil hectares de floresta, porque a produtividade das áreas plantadas é cerca de dez vezes maior que das áreas nativas. E a avaliação feita sobre as projeções de crescimento da extração de carvão mostra que a tendência crescente de aproveitamento das natas nativas pode levar a região a um caos ecológico.

A organização Conservação Internacional traz o estudo completo em seu site (clique aqui). Além de alertar sobre as conclusões trágicas da pesquisa, o documento traz também sugestões para o afastamento do problema. E neste item, a Conservação Internacional mostra que se a implantação do complexo for acompanhada de um reflorestamento sustentável, aumentam as vantagens para a população da região que, além de não ter seu meio-ambiente agredido, ainda pode ter um aumento considerável da oferta de empregos. Com o plantio florestal, o número de empregos gerados pelo complexo pode ser quintuplicado.

O complexo minero-siderúrgico, conhecido como CMS-MS, é formado pelas empresas Mineração Corumbaense Reunida (MCR), subsidiária do Grupo Rio Tinto; EBX / MMX; Mineração Pirâmide e a Companhia Vale do Rio Doce.

E não é nada bom o histórico ambiental dos poderosos do empreendimento. A empresa EBX/MMX, do empresário Eike Batista, já foi autuada pelo Ibama: recebeu uma multa de 1 milhão de reais por comprar carvão vegetal de uma empresa que operava ilegalmente. O Ministério Público de Mato Grosso do Sul também já tentou barrar obras siderúrgicas da empresa. Antes de se instalar em Corumbá, a EBX/MMX também teve problemas na Bolívia, de onde foi expulsa devido a questões legais e ambientais.

O impacto da implantação do CMS-MS pode ir além do Pantanal e das nossas fronteiras, prejudicando áreas nativas do Cerrado e da Bacia do Alto Rio Paraguai, tanto em Mato Grosso do Sul quanto na Bolívia e no Paraguai. E um agravante para o Paraguai é que naquele país praticamente inexiste legislação ambiental para coibir o desmatamento.

Mas o próprio Mato Grosso do sul já sofre com a depredação. A região já serviu como produtora de carvão vegetal para a siderurgia de Minas Gerais, com bastante prejuízo para suas matas nativas. Existem denúncias de que as siderúrgicas já instaladas no Pantanal estão destruindo as matas nativas. Um cálculo feito pela professora Sônia Hess, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, publicado no site Observatório do Agronegócio (clique aqui) avalia que hoje a demanda por carvão vegetal por parte das indústrias siderúrgicas é de 3.578 toneladas diárias de árvores transformadas em carvão. A professora acredita que a maioria é proveniente de matas nativas. O número é quase o mesmo do estudo da CES.

Segundo a pesquisa da CES, entre 1997 e 2005, um total estimado de 5,7 milhões de hectares de áreas nativas foram exploradas para a produção de carvão vegetal no Mato Grosso do Sul. A área de vegetação primária usada nos auto-fornos de siderúrgicas seria equivalente a 16% do território do Mato Grosso do Sul.

Fazendo as contas com crescimento projetado do complexo minero-siderúrgico, o estudo comprova que pode vir a ser uma devastação do Pantanal. Vejam o cálculo, extraído do site da Conservação Internacional:

Estima-se que em 2007 o volume de carvão vegetal consumido pelo CMS-MS foi de 240 mil toneladas. Para produzir esta quantidade de matéria-prima seriam necessários 5.500 hectares de áreas plantadas. O estudo projeta que, em 2015, a demanda pela matéria-prima vegetal chegue a 2,4 milhões de toneladas, o que exigiria uma área cultivada de 56 mil hectares.

Considerando que o ciclo de exploração do eucalipto é de sete anos, o estado do Mato Grosso do Sul terá que dispor de 392 mil hectares de florestas plantadas. Atualmente, a área reflorestada que fornece matéria-prima para a produção de carvão é de cerca de 30 mil hectares.

Porém, a ameaça que a demanda de carvão gerada pela implantação do complexo minero-siderúrgico representa para o meio ambiente pode ser evitada com a instalação de uma cadeia de florestas voltadas à produção de carvão vegetal, conforme já foi citado acima. A sugestão do estudo do CES feito sob encomenda da ONG Conservação Internacional, além de apontar as conseqüências de imperfeições do projeto, buscou soluções que defendem o meio ambiente e ainda propiciam mais empregos para a região.

Mas tudo indica que, sem pressão popular e política a tendência é que o problema fique para as gerações futuras. A sensibilidade para com o meio ambiente não é o forte de praticamente todos os envolvidos com o problema, inclusive do governo do Mato Grosso Sul, estado que nas ultimas décadas só teve governos complacentes com os crimes ambientais.

E a reação de alguns deles ao estudo do CES mostra que será difícil a busca de solução para a tragédia que ameaça o meio-ambiente. A Folha de S. Paulo buscou a opinião do governo estadual sobre as conclusões do estudo e ouviu do secretário-adjunto de Meio Ambiente Cidades, Planejamento e Ciência e Tecnologia de Mato Grosso do Sul, Márcio Monteiro, que a busca de carvão para as siderúrgicas não vai afetar o Pantanal. "Posso dizer que a área plantada é significativa", afirmou o secretário que, no entanto, disse não ter dados específicos à mão.

A empresa MMX. De Eike Batista, afirmou que não utiliza carvão de origem irregular ou proveniente do Pantanal. No entanto, no final do ano passado a empresa foi multada pelo Ibama em R$ 1 milhão. A MMX comprou e consumiu carvão vegetal produzido a partir de desmatamentos recentes de mata nativa da região. Outra empresa, a Rio Tinto, também procurada pelo jornal, informou apenas que não vai recorrer ao carvão mineral, mas não apresentou nada que comprove como isso será feito.

Outro ponto importante do estudo é que, caso a sociedade civil permaneça sem participação ativa na implantação do CMS-MS − um vício original do projeto − evitando desse modo o desastre ecológico que se anuncia, em poucos anos restará ao Mato Grosso do Sul apenas as florestas reduzidas a cinzas nos fornos siderúrgicos.

Caso a demanda mundial por minério de ferro, ferro-gusa e aço mantenha-se nos patamares atuais – situação de acordo com as projeções de produção do CMS-MS –, o ciclo de mineração e siderurgia na região de Corumbá pode encerrar-se em cerca de quatro décadas. Com o fim do minério, pode se repetir o ciclo de exploração que já causou tantos males ao Brasil: a indústria predatória se vai e ficam os problemas.
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POR José Pires

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