quinta-feira, 20 de março de 2008

Fatos preocupantes no Dia da Água

A Organização das Nações Unidas antecipou para hoje em Genebra a comemoração do Dia Mundial da Água. A data formal, 22 de março, coincidiria com o feriado da Páscoa.

A instituição informa que hoje 1,2 bilhão de pessoas sofrem com a escassez de água. Caso permaneçam as condições atuais de depredação dos recursos naturais, a ONU alerta que há o risco da eclosão de conflitos armados pelo controle de mananciais, tanto entre nações como de grupos rivais.

A disputa armada por água não é, no entanto, fato incomum na história recente do planeta. O massacre da população civil em Darfur, na África, é sabidamente proveniente de luta por fontes de água potável. E esta é também uma das origens do conflito no Oriente Médio. Em livro publicado em 2001, o ex-primeiro-ministro de Israel Ariel Sharon afirmou que foi a necessidade de garantir o acesso às águas do Rio Jordão que deu início a Guerra dos Seis Dias, em 1967, quando Israel enfrentou Egito, Jordânia e Síria.

No Dia da Água, a ONU também chama a atenção para o problema do saneamento básico no mundo, uma complicação com efeito direto na qualidade da água. Hoje, 2,6 bilhões de pessoas não dispõem de coleta de esgoto adequada.

Para realçar a importância do problema, 2008 foi declarado “Ano do Saneamento” pela organização. Além de atingir diretamente a qualidade de vida das pessoas, a falta de saneamento põe em risco também a preservação de mananciais. A carência do serviço, que ocorre até em países do Primeiro Mundo, é também muito sentida no Brasil e agravado bastante pelo modelo econômico do país.

Em reportagem publicada na semana passada, o jornal O Globo divulgou uma pesquisa da Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdib) que mostra que o crescimento da desigualdade de renda levou ao afastamento dos brasileiros mais pobres do acesso às estruturas básicas, como redes de água e esgoto.

A pesquisa, que analisou, entre 1999 e 2006, quatro serviços básicos (esgoto, abastecimento de água, rede elétrica e telefonia) revela uma preocupante exclusão dos mais pobres. O aumento quantitativo dos serviços, que já não é satisfatório, acaba atingindo menos a população de baixa renda. A conclusão, parecida com a de outros estudos, é de que o nível e a velocidade da expansão do saneamento básico é menor que o de outros serviços.

Hoje o Brasil tem 95,6 milhões de pessoas sem acesso à coleta de esgoto. Quanto aos índices de crescimento, 56,5% dos brasileiros não tinham acesso adequado em 1999, contra 51,3% em 2006. Na distribuição de água, a porcentagem de brasileiros que não tinham acesso diminuiu de 21,7% para 18,3%, no período.

Houve uma ligeira melhora, mas apesar da ampliação do acesso à estrutura básica de forma geral, ao mesmo tempo o governo tem deixado crescer muito a fila de espera dos mais carentes. Isso leva a uma piora da saúde pública, ao agravamento da violência e também ao aumento da poluição. É uma cadeia de problemas que termina por atingir a água potável. Os mais pobres moram nas periferias das cidades, onde estão os mananciais. Como essas pessoas não têm como pagar pelo saneamento, a falta do serviço automaticamente leva ao aumento da poluição.

Alguns especialistas já julgam que, na área da água e saneamento básico, é preciso ir além do subsídio cruzado (que compensa tarifas mais caras com as mais baratas para os mais pobres) e investir em um subsídio para universalizar os serviços.

Mas o caminho é longo. Um outro estudo da Abdib afirma que para universalizar a rede de esgoto o Brasil teria que aplicar no setor R$ 10 bilhões por ano, ao longo de 20 anos. Hoje o país investe apenas cerca de um terço disso.

Com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o governo federal prevê investimentos de R$ 10 bilhões em saneamento até 2010, mas as dúvidas sobre a aplicação de fato dessas verbas atingem até o presidente Lula que, em desabafo numa cerimônia oficial, disse que sequer seus ministros se entendem quanto à realidade do programa.

A Fundação Getúlio Vargas também estudou o problema para o Instituto Trata Brasil, ONG especializada na questão do saneamento, e chegou a números preocupantes. A conclusão da pesquisa é que no passo atual a universalização dos serviços só acontecerá daqui a 115 anos. E se for projetado para o futuro o que foi feito nos últimos 14 anos no setor em termos de falta de saneamento nos domicílios, demorará cerca de 56 anos para o déficit de acesso a esgoto tratado atual chegar à metade.
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POR José Pires

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